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A justiça atendeu a um pedido da Defensoria Pública da Bahia – DPE/BA e determinou que o Governo do Estado garanta o acesso às terapias multidisciplinares para todas as crianças e adolescentes com Transtorno do Espectro Autista do território baiano. De acordo com dados dos coletivos de mães atípicas, são mais de 2 mil pessoas na fila de espera de atendimento, somente em Salvador.

Na decisão proferida pelo Poder Judiciário na última quarta-feira (14), é fixado o prazo de 30 dias para que a determinação seja cumprida. Nesse sentido, devem ser adotadas “todas as providências necessárias para garantir o acesso ao tratamento multidisciplinar, regular e contínuo, em cumprimento ao protocolo TEA”. As terapias poderão ser disponibilizadas por meio da rede pública ou privada de saúde.

Para os defensores públicos Alan Roque Araújo e Renato Elias, que atuaram de forma conjunta para atender a demanda, com o trabalho realizado, a DPE/BA cumpriu sua missão “enquanto instituição vocacionada para conferir direitos aos vulneráveis”. A decisão judicial atende a uma ação civil pública movida após o atendimento coletivo de mais de 40 famílias compostas por pessoas neurotípicas e tentativa fracassada de resolução extrajudicial do quadro apresentado.

Nesse sentido, foram expedidos diversos ofícios para os locais em que as pessoas encontram dificuldades para iniciar o tratamento. O acesso à terapia multidisciplinar é fundamental para estimular a neuroplasticidade da criança, que é justamente a capacidade do sistema nervoso modificar sua estrutura e função em decorrência dos padrões de experiência. A ausência ou disponibilização tardia desse tipo de acompanhamento para crianças autistas pode resultar em danos irreparáveis.

“Desta forma devemos comemorar a concessão da liminar, pois configura o início de uma grande luta em prol das crianças autistas. Esperamos contar com a sensibilidade da Secretaria de Saúde do Estado, pois o que está em jogo é o desenvolvimento sadio e a socialização dessas pessoas”, avaliam os defensores públicos.

Mobilização coletiva

Para a ativista e presidente do Centro Palmares de Estudo e Assessoria por Direitos, Tatiane Costa, a decisão judicial representa o retorno da esperança. Mãe de um menino autista de três anos, ela conta que, há pelo menos um ano e meio, tem travado uma verdadeira batalha para garantir acesso à equipe neurodisciplinar para a criança.

“Cada criança tem uma necessidade terapêutica condizente com o nível de autismo, no caso do meu filho, fonoaudiólogo, psicólogo e terapeuta ocupacional são os profissionais essenciais para seu desenvolvimento. Essa decisão judicial representa um momento de muita esperança e alegria, pois é a primeira vez que estamos sendo ouvidas de verdade”, explica Tatiane, que foi uma das responsáveis pela mobilização que resultou na ação civil pública.

No primeiro trimestre do ano, após diversas negativas de acesso às terapias, ela procurou o Núcleo de Saúde e ingressou com uma ação individual para obter o tratamento médico multidisciplinar contínuo. “A ação individual poderia resolver minha demanda, mas eu sei da realidade das outras mães que também precisam ter dedicação integral com seus filhos e chegam a dormir na fila em busca de acompanhamento”, conta a ativista, que ainda integra o Coletivo de Pais e Mães Atípicos da Bahia.

Fundamentação jurídica

Na peça processual apresentada ao judiciário para garantir o direito à saúde das crianças e adolescentes autistas do estado, a DPE/BA destaca normas legais nacionais e internacionais que protegem este público. Entre elas, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência tem, entre seus princípios, o respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua identidade.

O direito à saúde também está previsto na Constituição de 1988, que também estabelece os princípios da universalidade, da gratuidade e da assistência integral. “Incumbe ao Estado proporcionar os meios adequados visando proteger a saúde do indivíduo, especialmente quando se trata de iminente hipótese de danos e males à saúde”, argumentam os defensores Alan Roque e Renato Elias.

Além de determinar que o Estado garanta as terapias multidisciplinares para as crianças autistas, a decisão judicial estabelece um prazo de 10 dias para que seja apresentado o cadastro e a relação de todos os requerimentos de solicitação para acesso a tratamento multidisciplinar, deferidas ou em análise. O não cumprimento das medidas pode acarretar no pagamento de uma multa entre R$1 mil e R$10 mil. (DPE-BA)