Homem viaja 88 km na garupa de uma moto para se divorciar

Foto: Divulgação/DPE-BA

Quando foi avisado que só dependia da presença dele para realizar o divórcio, o vendedor Cícero de Oliveira, 60, não pensou duas vezes. Procurou um motoboy e pagou R$200 por uma viagem de Salvador a Amélia Rodrigues, onde dona Gilmara dos Santos, 43, aguardava para atendimento pela Defensoria Pública da Bahia (DPE/BA). Há mais de dois anos, o ex-casal não tinha qualquer tipo de convivência, a separação de fato já tinha acontecido, mas faltava formalização no papel.

O divórcio consensual foi realizado na última quinta-feira (19), durante o mutirão de atendimentos promovido pela DPE/BA com auxílio da Unidade Móvel de Atendimento (UMA). “Hoje vou colocar os joelhos no chão para agradecer essa benção”, comemorou Cícero, que já vive outra relação em Salvador desde o término do casamento. “Foi Deus quem colocou vocês aqui. Nós não temos mais nada um com o outro, só faltava resolver essa situação no papel para eu poder ajeitar meus documentos”, comemorou Gilmara, que vai usar o nome de solteira.

Por conta da distância que separa as cidades onde os integrantes do ex-casal vivem (88 km), Cícero só conseguiu chegar em Amélia Rodrigues nos minutos finais de atendimento e foi o último dos 116 realizados na cidade. Para a defensora Carolina Prato, além da singularidade que envolveu a prestação do serviço, o caso de Cícero e Gilmara demonstra a importância da Defensoria Pública. “Às vezes a situação já está resolvida, falta apenas um aconselhamento ou direcionamento e as pessoas não têm para quem recorrer”, conta.

Em Amélia, a Defensoria está presente por meio de substituição cumulativa para atendimento exclusivo das demandas da área criminal. Com o trabalho realizado com a Unidade Móvel, foram dados encaminhamentos para as questões da área cível que estavam desassistidas. Dentre elas, estava o caso de dona Hilda Farias, 53, que procurou a Defensoria em busca de auxílio no processo de registro tardio do irmão.

Segundo ela, o homem de 63 anos nunca foi registrado e, já com idade avançada e alguns problemas de saúde, tem tido dificuldade de acesso a alguns atendimentos do SUS e programas assistenciais do Governo Federal. Devido a necessidade de ação judicial para registro tardio, a demanda foi encaminhada ao Ministério Público para que se proceda com as devidas providências.

“Como ela é irmã, não possui legitimidade para resolução extrajudicial da demanda. Nesse caso, é preciso uma ação judicial, mas como a Defensoria não tem sede aqui, não é possível fazermos ajuizamento”, conta a defensora pública Regina Leitão, que solicitou urgência por parte do MP devido a situação de vulnerabilidade em que o irmão de Hilda se encontra.

Formação de defensoras(es) públicas(os)

Os atendimentos realizados pela Unidade Móvel em Amélia Rodrigues compuseram a programação do curso de formação das(os) novas(os) defensoras(es), que prevê a discussão de aspectos teóricos e a prática em todas as áreas de atuação da DPE/BA. Na oportunidade, as(os) 14 novas(os) membras(os) da carreira tiveram a oportunidade de viver in loco a experiência de contato com as demandas e usuários(as) dos serviços da Defensoria.

Coordenadora do Núcleo de Gestão de Projetos e Atuação Estratégica da DPE/BA, Cristina Ulm coordenou os atendimentos e avaliou a atividade como de fundamental importância para a formação das(os) novas(os) colegas. “Essa experiência mostra que o trabalho da Defensoria não acontece apenas nos gabinetes, acompanhando audiências. Também precisamos ir às comunidades onde a população precisa e assegurar direitos. Precisamos fazer as duas coisas”, ressaltou.

Para a defensora Bruna Sales, ao mesmo tempo que a experiência possibilitou o enriquecimento de sua formação, aumentou ainda mais o sentimento de insatisfação pelo fato de não haver Defensoria em todas as comarcas, conforme prevê a Constituição. “Quando estamos num local que a população não tem atendimento, vemos reforçada a importância da atuação defensorial e o quanto o não cumprimento da Emenda Constitucional 80 [que determina prazo para que a Defensoria esteja instalada em todas as comarcas] viola a dignidade da população”, avalia.

Educação em direitos e diálogos institucionais

A passagem da Defensoria em Amélia Rodrigues também foi marcada pelo fortalecimento dos diálogos institucionais. A Unidade Móvel foi visitada pelo prefeito João Bahia; vice Gel Galego; secretária de Assistência Social, Jéssica Andrade; e secretário de Administração, Carlos Alberto. Além de agradecer pela oferta dos serviços no município, eles aproveitaram a oportunidade para manifestar o interesse em ter uma sede da instituição na cidade.

“Nós temos muitas demandas jurídicas que a gente não consegue atender. Nossa população é muito carente, por isso, estamos abertos para abraçar a Defensoria e contribuir para que seus serviços sejam permanentemente instalados aqui”, afirmou o prefeito João Bahia. Na oportunidade, junto com sua equipe de governo, ele conheceu iniciativas de educação em direitos promovidas pela Defensoria, a exemplo da campanha Infância sem Racismo.

Os votos de que a instituição chegue de forma permanente no município também foram manifestados pelo juiz da comarca, Guilherme Camilo. Ele destacou a necessidade de nomear advogados dativos para atuar nas demandas cíveis da cidade pela ausência de assistência judiciária, e reforçou o entendimento que o acesso à Justiça também inclui a educação em direitos e orientações jurídicas. “Tudo isso contribui para que a população seja melhor assistida”, afirmou. (DPE-BA)