
Defensoria inicia mapeamento em regiões desertificadas no norte do estado

Foto: Divulgação/DPE-BA
“As chuvas são poucas. Este ano mesmo, a gente já estava com medo, mas, graças a Deus, deu uma chuvinha e melhorou um pouquinho. Mas, quando chega o mês de junho, julho, a seca já começa.” Esse é o desabafo de Antônio Gonçalves, 75 anos, agricultor do sertão da Bahia. Morador do município de Rodelas, ele resume em poucas palavras a angústia compartilhada pelas famílias que vivem em uma das regiões afetadas pela desertificação no país. Pela primeira vez, foi identificada uma área de clima árido no Brasil. O trecho fica localizado no norte da Bahia e abrange as cidades de Abaré, Chorrochó, Macururé e Rodelas.
De acordo com pesquisas do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), áreas do sertão nordestino já estão sendo reclassificadas como áreas de clima árido, uma mudança preocupante que intensifica a escassez de água e apresenta novos obstáculos para lidar com a seca. As localidades enfrentam um processo acelerado de degradação ambiental que compromete não só o solo e os recursos hídricos, mas também a sobrevivência de quem depende da terra para viver. Diante desses dados alarmantes, a Defensoria Pública da Bahia (DPE/BA) iniciou um processo de escuta e mapeamento para buscar soluções para as comunidades vulnerabilizadas atingidas pelas alterações climáticas.
Conforme a subdefensora pública-geral, Mônica Soares, as visitas visam diagnosticar os impactos ambientais e humanos decorrentes da degradação ambiental e buscar estratégias para a questão. “Essa situação que por si só já revela uma baixa acessibilidade a serviços públicos essenciais, causa ainda insegurança alimentar, processos migratórios para centros urbanos, retração da circulação econômica nos municípios afetados e maior dependência do poder público local. Dessa forma, as visitas são um importante passo para iniciar uma grande atuação cooperativa que busca assegurar maior dignidade à população vulnerabilizada do sertão baiano”, explica.
A escassez de água e os desafios da vida rural são sentidos de forma ainda mais intensa por quem vive há décadas na região. Segundo o agricultor Antônio Gonçalves, muita gente foi embora da localidade devido à seca, principalmente os mais jovens. “Algumas pessoas saíram, mas os mais velhos acabam ficando. A gente sobrevive se batendo aí, aos trancos e barrancos, empurrando com a barriga”, diz.
As limitações para a agricultura e o consumo de água foram detalhadas por José Reis, representante dos trabalhadores e trabalhadoras rurais de Rodelas. “Sofremos com a seca e a falta de água nas fazendas. Quem tá na beira do rio tem água, mas, nas fazendas, existe a dificuldade do pessoal se locomover. Às vezes, os poços que têm não dão conta, e as pessoas começam a passar dificuldades. Quem está na beira do rio faz o bombeamento da água e leva para lá, mas é sem tratamento. Eles bebem a água do jeito que ela chega”, revela.
O objetivo da Defensoria é compreender os impactos da crise ambiental sobre os direitos fundamentais da população e, em parceria com outras instituições, elaborar estratégias que promovam o acesso à água, saneamento básico, regularização da terra e preservação ambiental, dentre outras ações que impactam diretamente a qualidade de vida dos moradores, especialmente diante de um cenário que tem provocado êxodo rural e insegurança alimentar.
Diálogo com representantes municipais
Rodelas
Em Rodelas, o secretário de governo, Luciano Ferraz, destacou a importância da atuação interinstitucional para fortalecer as políticas públicas no município. “É muito importante tratarmos os problemas que existem no município para tentarmos buscar soluções. O que for da competência do poder público de Rodelas, estaremos à disposição para fazer essa parceria para trazer melhorias para a população e toda a região”, ressaltou. A percepção de que é preciso a união de todos os poderes foi compartilhada pelo assessor jurídico, Renê Rodrigues. “É um privilégio ver que um órgão estadual está preocupado com as demandas do município, na busca da melhor qualidade de vida para a população”, diz.
Abaré
A capacidade dessas medidas para combater o êxodo rural e estimular a economia local foi enfatizada pela advogada do município de Abaré, Laisa Pereira. “A gente vive em um lugar que precisa dessas ações voltadas para as pessoas vulneráveis. Em nossa região, a única fonte de renda é a agricultura, e essa iniciativa irá agregar em nosso município, quem sabe até diminuindo o êxodo rural. Com ações, a gente pode fazer com que a renda gire em torno do nosso município.”
Macururé
A situação em Macururé tem se agravado a ponto de a população já reconhecer a transformação do clima local. O secretário de governo, Adeilton Bernardo, explicou como essa mudança tem sido sentida no cotidiano e alertou para a urgência de ações conjuntas. “Esse assunto, quando chegou para a gente, não nos pegou de surpresa, porque a gente mora na região e percebe que isso vem acontecendo aos poucos. Porém, a gente não tinha noção da proporção que seria. A tentativa para tratar, para melhorar, de segurar o produtor e as famílias aqui nessa área tão desertificada, precisa de muito apoio e incentivo dos governos estadual e federal, em parceria com o município. Nosso primeiro objetivo é resolver o abastecimento de água. Resolvendo isso, as outras coisas vão fluindo com o tempo”, pontua.
Na mesma linha, o secretário de finanças, Elder Souza, destacou que as ações de combate à desertificação não têm apenas impacto ambiental, mas também social e econômico. “Essas ações são importantes, pois o município vem sofrendo com a desertificação. Elas beneficiam toda a nossa população, evitando que nossos jovens se direcionem a outros municípios em busca de trabalho, o que prejudica a geração de renda e a economia local.”
Chorrochó
Em Chorrochó, a percepção é de abandono por parte dos poderes públicos, o que obriga o município a arcar sozinho com desafios que muitas vezes ultrapassam sua capacidade orçamentária. O secretário de Administração, José Nilson Rodrigues, foi enfático ao apontar a dependência dos repasses estaduais e federais. “A importância das políticas públicas é enorme, principalmente porque se trata de municípios pobres que dependem de repasses dos governos estadual e federal. Quando a gente usa recursos próprios da prefeitura para investir no semiárido, faz falta para áreas como educação, saúde e infraestrutura”, explica. Ele alerta para a necessidade de atenção para as questões climáticas. “Tem que olhar mais para o sertão, olhar para a questão climática, porque, enquanto a política pública brasileira não tomar para si a responsabilidade sobre a desertificação e a nossa caatinga, que é um bioma rico, a gente corre o risco de sumir do mapa, como já previsto pelo Cemaden e outros centros de pesquisa do Brasil.” (Ascom/DPE-BA)